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PLANTAÇÃO

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  Preparei e trabalhei a terra, por anos a fio.  Secou, rachou, inundou e hoje parece perfeita para iniciar uma nova plantação. Separei as melhores sementes, arei o terreno e adubei. Com muito esforço e dedicação, espalhei as sementes pelos buracos que fiz, calculados. A distância correta, a profundidade correta. Suei, me machuquei e muitas vezes achei que não iria conseguir, mas ali estava. Depois de muito esforço, de muito regar, controlar as pestes, ali estava. Minha plantação de milho. Notei que um corvo apareceu e me dispus a instaurar um espantalho. A notícia se espalhou e outros corvos vieram. Tentei alimentar os corvos com outras sementes. Eles insistiam em devorar meu milho. Aquele milho que tanto me dediquei. Trouxe novos espantalhos. Os corvos também aumentaram. Me perguntava: "Por quê?"  "Por que a minha plantação?"  "Por que não desistem?" A cada dia via a minha plantação ser destruída, diante dos meus olhos. Os espantalhos foram quebrados. A

ABISMO

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 Sou uma coletânea inteira de uma obra só. Entre papéis e rabiscos desenhei meu próprio rumo. Mal sabia eu que boa parte desse rumo estaria traçado por outras mãos. Os abismos assustadores que encontrei em mim, foram criados. Outras vontades sobrepostas às minhas. Anseios e desejos e desdéns que tomaram proporções exorbitantes. Outros braços me trouxeram até aqui e não os via. Minha história, entre beleza e caos, não foi escrita só por mim. Eu descrevo os enredos que movimentaram meu mundo e meus modos. Os abismos sempre estiveram aqui e hoje sei o nome deles. Esse conjunto imenso de vazios em multidões. Esse afogar-se em opiniões, que me desmotivaram e enfureceram tanto. Os monstros que criamos e os medos que suportamos ali, nos encarando da profundeza. No escuro da imensidão, sentindo o vento forte e seu rugido. Todas as vozes que gritam ao mesmo tempo: pule. Se entregue ao desejo mais sincero de sangue. Pule. Vá de encontro ao pior lado do ser humano. Pule. Engasgue com suas própria

PORTAIS

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 Respire fundo e segure bem. Nunca saberemos quanto de ar ainda teremos. Corra e grite aos quatro cantos às quartas e oitavas. Ria como o riacho que corre por dentre as pedras. Segure-se firme enquanto decola em voo livre em direção à liberdade. Atravesse seus portais de magia encantada. Entoe cantos aos cantos antigos que ecoam perante às arvores. Abra seu diafragma e desfragmente sua alma. Perca-se no trajeto da trilha da sua própria vida. Divirta-se buscando respostas para perguntas ainda em formulação. Crie casos de amor e pureza enquanto aprecia a criação. Formule novas formas de amar e sentir a vida ao seu redor. Banhe-se nu despindo-se de todos os venenos que já lhe serviram. Sirva mesmo o grito grotesco da voz gutural. Ouça através da gruta o silêncio de todos os burburinhos da sua mente. Livre-se de toda a mentira que aborda os homens devorados pelas bordas. Cubra-se do frio da solidão que solidifica o concreto concretizado da cidade. Escolha regar a colher de colheradas da ma

PONHA-SE

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  Quando o sol se põe nada há de se opor. As luzes caem aos poucos, dando margem à escuridão. Numa sincronia de gentilezas em que sempre há quem cede. Cedendo espaço de forma sedenta para acariciar a terra. Luz e escuridão se contemplam alegremente. Dividem e compartilham de modo incessante. Insano é ver como a luz fica linda perto da escuridão. E como a escuridão é plena sem a aparição da luz. Os raios levam todas as vivências de uma breve brecha no tempo. A fresta que nos ergue a enfrentar a batalha que existe e a que virá. O acalanto na pele antes do arrepio. A partida uníssona do astro. A chegada silenciosa do satélite. Do paraíso à escuridão. Reluza. Os brilhos diferem e brilham. Quando se cruzam é evento. Quando se afastam é vida. Há brilho na noite. Há sombra no dia. Há calor no resfriamento. Há sofrimento na calmaria. O brilho através da brecha. A fresta que raia o dia. O sopro do frio meio ao sol do meio dia. A noite se aproxima sutilmente. Trazendo o sono e os sonhos. Sonhe.

MAREMOTO

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  Cair em si, mergulhar em si, afogar-se. Fui tão profundo e quase fui esmagada pela escuridão. Rapidamente lançada ao espaço e quase fui engolida pela luz. Nessa dança em espiral quase fiquei zonza. Meus ouvidos zumbiram e meus olhos quase não mais viam. Meus sentidos se embaralharam. As hélices desse liquidificador de emoções me trouxe cortes. Fui triturada em frente aos meus olhos. Quantas dores vividas em muitas vidas. Idas e vindas em vão. Todos olham e ninguém vê. Muitas partidas, muitas partições, muitas faces e aparições. Um dia ensolarado que virou pó. Tudo o que podia tocar se desfez sob meus dedos. Nada era sólido e somente os meus batimentos ecoavam. Fui convidada para a dança eterna e fui checar. Meu parceiro de salsa preferiu não participar e recusei gentilmente a solenidade. O maremoto reverbera em mim e treme as minhas estruturas. Abalou minha vida, meus sentidos e sensações. Tudo o que era não é mais. Do velho, novo se fez. Fui inundada e sobrevivi. Morri afogada sob m

FURACÃO

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  Onde quer que você vá, tudo o que é você vai junto. Não interessa o tamanho da bagagem que carregas, carregarás até o fim. Ou até que... Até que alguém divida o fardo contigo. Que a vida seja boa contigo. Quantas pedras você guarda com apreço de diamante? Quanto valor já perdeu vendo flores onde simplesmente deveria haver (e não há)? E esse cheiro de chuva, de onde vem?  É de dentro ou de fora que se forma o tornado? Para onde suas malas serão carregadas se não for você o guia? Tudo o que tem aí dentro lhe pertence legitimamente ou são fragmentos do que já foi? Livre-se de tudo.  Abra as malas, as asas, os olhos, a boca e grite ao mundo que cansou. Porque todos cansam e não és único por sentir o peso que a vida lhe encarregou. Sem ao menos questionar ou descrever a carga que carragara. Quanto mais de peso há para ser liberto? Entregue ao vento e permita que leve. Entregue-se ao furacão. Renda-se. Não há escapatória, pois já estás contigo. Dentro de ti. Flutue para o alto e ao fundo e

FISSURA

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  Às vezes o mundo conforme conhecemos, desaba. Simples e sem aviso prévio, ele desmorona. As rachaduras que precedem são imperceptíveis. Quando me vi aos cacos, pude lembrar de cada uma delas, o que as fez irromper e me assustei. Sempre estiveram lá e nunca aprendi a vê-las. Aos cacos, quebrada e desolada eu consegui ter clareza. Mas ninguém me viu todas as vezes que eu gritei, sob cada rachadura. Ninguém é ensinado a ver. Nos cacos me encontrei. Me vi em cada pedaço e me reconheci. Me vi através de cada mísera lasca do meu mundo. E eu tive coragem de criar um novo. Pedaços se encaixam e tudo faz sentido. Por mais difícil que seja encarar esse desafio, por pior que seja visitar o passado e por mais que cada dor venha à tona, vale a pena. Viver vale a pena. E eu digo, depois de desistir tantas vezes e falhar, agora faz sentido. Viver faz sentido e não importa o que façam ou digam, eu vou viver. Transformar dor em impulso dói e não é pouco. Não há beleza em querer ir embora, em abrir mã